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Artigo

Pobreza menstrual: por que é um problema que precisa ser enfrentado?

4 min

por Stefania Molina - Cofundadora Serenas

08 de outubro de 2021

Pobreza Menstrual

Em agosto, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 4968/2019, da deputada Marília Arraes (PT-PE), que prevê a distribuição gratuita de absorventes para estudantes de baixa renda, mulheres em situação de vulnerabilidade e detidas. Encaminhado à Presidência da República, Jair Bolsonaro (sem partido) vetou o fornecimento do produto na quinta-feira (7 de outubro).

A medida representa uma grande ameaça aos direitos de meninas, mulheres e pessoas que menstruam, além de ir na contramão das políticas públicas voltadas a atender o que chamamos de pobreza menstrual. Ao de negar o direito à produtos de higiene menstrual, o governo federal caminha contra medidas que estão sendo implementadas por diversos municípios para que menstruar não seja uma vergonha ou uma ameaça à saúde.

São Paulo, Recife e Maranhão são alguns entes da federação que já criaram políticas para garantir a distribuição de absorventes para jovens em fase escolar. No caso de Recife, por exemplo, existe o Ciclo do Cuidado, programa que, além de distribuir os absorventes, é voltado para a formação de educadores e para a compreensão das famílias sobre o tema.

A Serenas, organização que atua na prevenção e enfrentamento de violências contra meninas e mulheres e na promoção e efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos, participou desse projeto extremamente importante, elaborando as cartilhas educacionais e atuando diretamente em rodas de conversas com as alunas.

O problema veio à tona à medida que organizações conceituadas publicaram levantamentos sobre a atual situação da pobreza menstrual no Brasil. Estudo da marca Always revela que uma em cada quatro alunas faltam às aulas no período menstrual no país. Motivo: não têm dinheiro para compra de absorventes. Quanto à situação nas escolas, estudo do UNICEF e UNFPA aponta que 3% das estudantes não possuem banheiro em condição de uso, e 11,6% não têm papel higiênico disponível para utilização. Essa situação é o que chamamos de ‘combo da pobreza menstrual’. Elas não têm acesso à aquisição do absorvente e não encontram infraestrutura na escola para cuidar da sua saúde menstrual. E muitas vezes falta essa infraestrutura inclusive dentro de casa.

Milhões de pessoas, no mundo e no Brasil, vivem com a falta de recursos e utensílios, como calcinhas, absorventes, remédio e até água limpa. A pobreza menstrual é o conjunto de três fatores: a falta de acesso à informação sobre menstruação ou à educação menstrual; a falta de produtos menstruais, como absorventes; e a falta de uma infraestrutura de saneamento.

Os impactos da pobreza menstrual são sentidos especialmente na vida escolar de adolescentes. A infraestrutura escolar ou o nível de suporte oferecido pelos professores aos estudantes que menstruam são determinantes para que estes decidam em se manter frequente na escola ou não. A maioria tem vergonha em falar sobre o assunto. São inúmeros os preconceitos sociais, os tabus sobre o tema, quando, na verdade, deveria ser tratado com naturalidade e clareza. É extremamente importante que as meninas conheçam o próprio corpo, saibam e tenham condições de cuidar dele com naturalidade. A pobreza menstrual acaba afetando a dignidade, a autoconfiança e o desenvolvimento escolar.

Para mudar essa realidade, é necessário que municípios, estados e o Governo Federal trabalhem juntos para atacar a falta de acesso à informação, a produtos menstruais e à infraestrutura. No que diz respeito à falta de informação essencial, é urgente a implementação da educação menstrual – uma educação que vai ensinar para essas meninas sobre o ciclo menstrual, comtemplando uma perspectiva biológica, emocional e social, sempre com naturalidade e adaptação de conteúdo para diferentes faixas etárias.

É preciso ressaltar que nenhuma política pública de distribuição de absorvente e acesso à informação e educação ou legislação pode deixar de fora as pessoas transgêneros e não-binárias porque as pessoas devem ser tratadas e consideradas da maneira que se veem e que desejam ser incluídas e aceitas na sociedade.

A distribuição de absorventes em conjunto com educação menstrual é fundamental. Todos os estudantes, incluindo meninas e meninos, devem ter acesso à informação sobre o tema, especialmente para quebrar tabus e preconceitos. Com uma sociedade informada, esses jovens irão crescer sem tantos receios em falar sobre menstruação.

 

Artigo escrito por Stefania Molina e publicado pela Folha de S. Paulo em 07-10-2021.

Stefania Molina é mestre em Políticas Públicas pela Hertie School em Berlim com foco em desigualdade de gênero, direitos sexuais e reprodutivos e o impacto da educação na gravidez na adolescência. É cofundadora da organização Serenas, que atua na prevenção e enfrentamento de violências contra meninas e mulheres e na promoção e efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos.