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Artigo

Encontros entre ativismo e educação marcam lançamento de relatório da Serenas

6 min

por Agnes Sofia Guimarães

16 de outubro de 2022

Violência Contra Crianças e Adolescentes Violência de gênero

Divulgação do relatório de caso do Programa “Violência contra a Mulher Não é Normal” contou com a presença de educadoras/es que participaram da iniciativa, fruto da parceria entre Serenas e SEDUC-SP

Em comemoração ao Dia Internacional das Meninas, no último dia 11, o lançamento do relatório do programa “Violência contra a Mulher Não é Normal” foi marcado por um encontro com especialistas em equidade de gênero e raça na educação. O debate, mediado pela jornalista, colunista do jornal Estadão e pedagoga, Carolina Delboni, se transformou em uma grande roda de conversa entre as convidadas e o público, formado, principalmente, por ativistas e educadoras/es que compartilharam desafios e caminhos possíveis para um projeto de futuro onde meninas possam exercer seus direitos, de fato.

Resultado da parceria entre Serenas e Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP), o Programa “Violência Contra a Mulher Não é Normal” foi realizado de janeiro a julho de 2022, e trabalhou com a capacitação de profissionais da educação que atuam na rede pública de ensino do estado paulista. Foram realizadas formações presenciais, que contaram com a participação de 340 profissionais – pessoas gestoras, formadores/as da Escola de Formação da rede estadual, membras/os do gabinete e pessoas redatoras de material didático. O programa também ofertou cursos online para estudantes e profissionais da educação, o que já resultou em mais de 29 mil professores da rede acessando os conteúdos, além de estudantes.

Co-fundadora das Serenas, Amanda Sadalla apresentou os principais resultados do projeto. Ela destaca a importância de construir capacitações técnicas para educadoras/es que antes demonstravam dificuldades para amparar alunos que relataram situações de violência, o que é ilustrado pelos dados apresentados pelo relatório: 62% dos profissionais que participaram da formação online e que vivenciaram situações de violência entre os alunos destacaram que sentiram a necessidade de receber suporte sobre o tema, mas apenas 22% declararam terem sido amparados.

“Os dados do programa só comprovam o que vínhamos vindo na prática: é na escola que vítimas de violência sexual e doméstica buscam ajuda. Apesar disso, a escola não possui as ferramentas e o apoio em rede para realizar o acolhimento e encaminhamento das vítimas, e isso pode sim resultar em violência institucional – isto é, quando meninas e meninos são culpabilizados, revitimizados ou têm situações de violências ignoradas”, conclui.


Reconhecer a potência delas para o combate a violências

O Dia Internacional das Meninas é uma data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), para marcar a luta pelos direitos das meninas em todas as regiões do mundo.

No Brasil, Meninas de são as mais afetadas pela violência sexual. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca 14,6% dos escolares de 13 a 17 anos, alguma vez na vida e contra a sua vontade, foram tocados, manipulados, beijados ou passaram por situações de exposição de partes do corpo. Entre as meninas o percentual (20,1%) é mais que o dobro do observado para os meninos (9,0%). Além disso, 6,3% dos escolares informaram que foram obrigados a manter relação sexual contra a vontade alguma vez na vida, sendo 3,6% dos meninos e 8,8% das meninas.

Para as convidadas do evento, a escola surge como um espaço de acolhimento, prevenção e enfrentamento, e é preciso buscar formas de trazer mais capacitação técnica aos educadores – sem deixar de lado as subjetividades de alunos e professores. O fortalecimento de projetos de inclusão social de meninas em contextos diversos também foi apontado como uma articulação necessária com as escolas – com a articulação de espaços públicos de tomada de decisão.

Mas diante de tantos desafios, como fortalecer meninas para que construam suas próprias escolhas em um futuro seguro e acolhedor?

Educadora popular e coordenadora do Ação Educativa, Denise Carreira foi uma das convidadas do debate e além de destacar a importância da educação sexual integral nas escolas, trouxe resultados da pesquisa Educação, Valores e Direitos, coordenada pelo Cenpec e pela Ação Educativa, realizada pelo Datafolha e pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop/Unicamp) em março de 2022.

Para 96% das pessoas entrevistadas, estudantes devem receber, nas escolas, informações sobre as leis que punem a violência contra mulheres; 96% defendem que as escolas devem oferecer informações sobre doenças sexualmente transmissíveis e como preveni-las e 93% são favoráveis a que as(os) estudantes recebam, nas escolas, informações sobre como evitar uma gravidez indesejada.

Ao trazer os resultados que considerou positivos pela luta pela educação sexual nas escolas, Denise refletiu sobre a necessidade de comemorar conquistas que já podem ser encontradas em espaços escolares diversos, apesar de movimentos políticos contrários ao tema.

“Podemos mencionar os projetos ligados ao Malala Fund que também mostram que apesar desse momento de conservadorismo, descrença e fake news, existem experiências incríveis nas escolas e que precisam ser estimuladas, fortalecidas e protegidas ”, opina Denise, que também faz parte da Malala Fund Education for Network, rede internacional que atua em defesa pela permanência de meninas na escola.

Cofundadora do Instituto Geledés, socióloga e mestra em educação, Suelaine Carneiro comemorou o aumento da informação entre meninas a respeito de temas importantes para a educação sexual e o empoderamento, mas alertou para a importância de aproximar gestores públicos para o diálogo. Como alternativa, ela propõe reconhecer o que a escola e os aparelhos públicos já carregam de repertórios e que podem ser sistematizados para uma luta efetiva pelas meninas.

“É fundamental ter gestores e gestoras públicos comprometidos e recuperar experiências que já deram certo e que de alguma forma foram interrompidas. Pensar ‘o que aconteceu aqui, o que posso recuperar, trazer de novo, ampliar’. É uma disputa dolorosa para quem está à frente dessas pautas. Mas fortalece reconhecer diferentes momentos de formação, de enfrentamento de racismo e sexismo, a possibilidades de recuperar o que já aconteceu e avançar a partir dali. São experiências importantes para o confronto”, destacou.

Pedagoga, fundadora do N’Zinga – Coletivo de Mulheres Negras de BH, do Programa de Direitos Humanos do ODARA – Instituto da Mulher Negra em Salvador e também integrante da rede Malala, Benilda Brito trouxe a importância de partir do trabalho de valorização do potencial das meninas para prevenir e combater violências.

“Menina sonha, menina é desejo, menina é projeto, e é preciso abrir espaço para várias vozes plurais para uma luta coletiva, e reconhecida em favor das nossas meninas”, destacou Benilda.

A transmissão completa do encontro pode ser vista clicando aqui.


Este artigo foi escrito por Agnes Sofia Guimarães, consultora de comunicação na Serenas, jornalista, Mestra em Comunicação, pesquisadora sobre letramentos de dados e discursos midiáticos sobre violência de gênero.